Natal na Mangedoura
Quando aceitamos a verdade sobre nós próprios - náufragos e salvos - as nossas vidas passam a estar ancoradas na Rocha que é Cristo, e não nas areias movediças dos nossos sentimentos inconstantes.
Por estes dias tenho estado a pensar sobre o que escrever. Durante semanas não consegui chegar a conclusão alguma; ate que percebi que a minha dificuldade não era tanto sobre o que escrever, mas sobre como passar do post anterior para o que quer que seja. Se ainda não o leu, está convidado a lê-lo. Basta clicar aqui. Como é que se passa de um post tao intenso sobre auto-sabotagem e misoginia para o que quer que seja? Really?
Talvez o mais obvio seria escrever sobre o Natal, uma vez que, de uma forma ou de outra, é algo presente no quotidiano de toda a gente, independentemente, de crenças, opiniões, religiões, etc. No meu íntimo eu sabia que não queria ter o Natal como assunto primário. Talvez por isso tenha entrado numa luta com os meus próprios pensamentos, sentimentos e desejos, no intuito de pelo menos perceber por quais eu lutaria de maneira a sairem vitoriosos nesse ringue.
Já há tanta informação, explicação, exegese e até alguma controvérsia sobre o tema, bem como uma miríade de pessoas a tratar do mesmo, que só a ideia de seguir pelo mesmo caminho pesava-me (e pesa). Por quê tentar matar a sede da alma humana com informação, quando a única coisa que a sacia é a Vida? Para além disso, apesar de por anos me ter sujeitado à “mentalidade de manada”—ao que a minha rica irmã, engraçadamente chama de “carneirada”… lololol—não estou mais disponível para seguir tais mentalidades sem pensar por mim mesma, e sem que elas me façam sentido.
Peço desculpa tive que fazer uma pausa para me rir em alto e bom som! Até parecia que de tão longe conseguia ouvir a minha irmã a dizer ‘carneirada’ naquele tom agudo, misturado com uma certa indiferença condescendente e divertimento, em meio a uma gargalhada espalhafatosa, tão peculiar dela—adorável! Querida mana; exemplar único!
Onde é que eu ia mesmo? Exacto! Na carneirada! lololol
Bom, tudo isto para dizer que eu não queria escrever sobre o Natal simplesmente porque é Natal ou porque talvez seja o mais expectável.
Já não me recordo muito bem como é em Portugal, mas aqui nos Estados Unidos, chegando o Natal, tudo gira em torno do mesmo; a atenção e energia das pessoas é quase exclusivamente voltada para isso. Se a cultura por si só já encoraja, fortemente, as pessoas a anularem-se emocionalmente, nestas alturas então o reforço dessa idea no colectivo insconsciente é tao absurdamente violento que o comum dos americanos não se dá conta. É um bocado como no Brasil em época de Carnaval; tudo pára porque afinal de contas é Carnaval e o que a malta quer é samba, pagode e cerveja! Nada contra! Antes pelo o contrário, '“me amarro num sambinha e num pagode, num churrasco brasileiro acompanhados de uma ‘fresquinha’—ah que saudades da animação desse povo! (Não resisti ao desabafo, peço desculpa! Prossigamos… concentrados).
Em Portugal, devido à cultura agoirada e desconfiada do português por conta do medo, acabamos por ser mais comedidos no nosso entusiasmo e alegria, quase como se inconscientemente tivéssemos medo de ser alegres; desconfiamos do bem que nos acontece, ou que nos fazem, porque acreditamos que há sempre uma barganha por trás; e quando não há tratamos de quase instantaneamente reduzir essa alegria a um certo desprezo simplesmente porque “é bom demais para ser verdade”—assim justificamos a necessidade de ser defensivos e desconfiados. E é exactamente essa constante desconfiança que nos rouba a leveza de sermos nós próprios e a liberdade de sermos generosos além das nossas dracmas, tanto connosco mesmos como com os outros. Ao mesmo tempo acabamos por agir como os demais varrendo a nossa dificuldade de lidar com a alegria e com o sofrimento para debaixo do tapete, porque afinal é Natal e toda a gente deve estar alegre ainda que de forma dissimulada. Como se fosse possível manter a nossa alma em estado neutro. E tem mais! Fujamos de quem está deprimido ou triste para que não venhamos a ter o nosso Natal contagiado com tristeza! (Sim, estou a ser sarcástica!)
Certamente estas tentativas de ausentarmos tanto o nosso sofrimento como o alheio, e o constrangimento que nos causam é uma característica cultural típica do mundo ocidental, que se manifesta de diferentes formas dependendo da cultura do próprio país, pelo que todos somos afectados.
Recentemente, enquanto passava os olhos no instagram deparei-me com um artigo do The Gospel Coalition: “Don’t forget missionaries at Christmas”—em português, Não se esqueçam dos missionários no Natal. Confrontada por aquela realidade, senti que a minha curiosidade tinha sido despertada naquele instante. Ao pesquisar mais histórias relacionadas com este assunto, o meu coração era consolado e a minha próxima história sugerida.
Quando aceitei o desafio de Deus para me mudar para os EUA, eu sabia que havia um preço a pagar. Por mais entusiasmada que estivesse pelo sentido de novidade, eu sabia que nem tudo ia ser um mar de rosas, e que naturalmente desafios viriam ao meu encontro. Mas hoje, olhando para trás, reconheço que esse entendimento era bastante abstracto e conceptual. Na verdade eu tinha isso como facto, mas não como experiência. Mesmo tendo vivido no Brasil por 3 anos, as experiências não iam ser iguais, ou sequer idênticas, porque para além de serem países muito diferentes, eu também não sou mais a mesma no ser, no pensar, no agir e em tantas outras formas. Quem quer esta em constante estado de metamorfose.
12 Não que já a tenha alcançado ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus. 13 Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam e avançando para as que estão diante de mim, 14 prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus. 15 Pelo que todos quantos já somos perfeitos sintamos isto mesmo; e, se sentis alguma coisa doutra maneira, também Deus vo-lo revelará. 16 Mas, naquilo a que já chegamos, andemos segundo a mesma regra e sintamos o mesmo.
—Filipenses 3:12-16
Um dos preços que pago por estar longe é o de passar Natais longe da familia e amigos mais próximos. A distância e a solidão ensinaram-me a valorizar o que comumente tendo a tomar por garantido; ensinaram-me a pensar pela minha própria cabeça, em intimidade com Jesus, respeitando os meus limites e aceitando as minhas limitações; encorajaram-me a permitir-me ser amada por Jesus, e assim também aprender a amar-me a mim mesma, como sou e como estou, e não como deveria ser… porque, como diz Brennan Manning, ninguém é como deveria ser… ainda.
O que agora vemos é como uma imagem imperfeita num espelho embaçado,
mas depois veremos face a face. Agora o meu conhecimento é imperfeito,
mas depois conhecerei perfeitamente, assim como sou conhecido por Deus.—1 Coríntios 13:12
Por mais que lute com os meus próprios pensamentos, por mais profunda consciência que tenha das implicações da vida que escolhi, e da qual não me arrependo, nestas alturas vivo intensas saudades da família e amigos, e até um certo pesar, lamento, de ver toda a gente a partir para as suas famílias e de eu não puder fazer o mesmo. À medida que o final do mês se aproxima, tudo isto em mim se vai intensificando aos poucos. Não, não é um pity-party! É uma realidade bem presente que carrega em si mesmo o pesar e a alegria, o sofrimento e o consolo, a dor e a beleza…
De cada vez ele me disse: “A minha graça te basta! É na fraqueza que o meu poder melhor se revela!” E assim sinto-me feliz nas fraquezas, para que o poder de Cristo possa trabalhar através de mim.
—2 Corintios 12:9
Enquanto me alegro com os que partem para estar com as suas famílias, permito-me viver a tristeza de não estar com a minha; enquanto me sinto consolada pela reunião dos meus queridos aqui nos EUA com as suas famílias, abro-me para o consolo do Espírito Santo, que me leva a contemplar a beleza e a presença de Jesus. Não deixo de sentir as coisas, nem tão pouco me anulo naquilo que vivo e sinto. Contudo vivo-as com paz e na certeza de que Ele está e estará comigo.
O que sinto na realidade, não é diferente o resto do ano. Simplesmente nesta altura, parece que tudo dói mais. Este é um daqueles preços altos que vem no pacote do compromisso que assumi. Eu sabia que não iria ser possível ir todos os anos a Portugal; eu só não sabia da intensidade do que ia sentir. Quando deixei a familia e os amigos, os petiscos, a comida e os doces favoritos, o Natal—como o conhecia—nesse instante deixou de existir. Ainda assim, nada disto me leva a reconsiderar a minha decisão. Sou constrangida pelo amor de Cristo a estar exactamente onde estou e é aí que quero estar.
Por estar em paz com isso decidi este ano passar o Natal sozinha. Sinto um misto de curiosidade com todos estes sentimentos e emoções que tenho descrito. Por estes dias, desafio-me a planear a minha ceia de Natal, o mais “à portuguesa” possível—em Manhattan,KS isto resume-se a um razoável vinho português lol, acompanhado de uns queijos italianos, um jamón espanhol, crackers, fruta... Enfim, o que aqui se chama de charcuterie board. Definitivamente, uma ceia de Natal europeia, na melhor companhia: JESUS, Emmanuel, Deus connosco!
Os Náufragos não procuram a paz porque não são incomodados pela falta dela. Com isso, quero dizer um sentimento subjectivo de paz. As circunstâncias podem provocar o caos nas nossas emoções, o dia pode ser tempestuoso ou bom, e os nossos sentimentos flutuarão em conformidade; mas se estivermos em Cristo Jesus, estamos em paz e permanecemos sem perturbações, mesmo quando não sentimos paz. A equação de Meister Eckhart, "Em Cristo = em paz", é sempre válida. Quando aceitamos a verdade sobre nós próprios - náufragos e salvos - as nossas vidas passam a estar ancoradas na Rocha que é Cristo, e não nas areias movediças dos nossos sentimentos inconstantes.
BRENNAN MANNING
Cheers! Feliz Natal a todos!
Graças a Deus por Cristo Jesus!